Nada vive para sempre, apenas a terra e as montanhas


Nothing lives forever, only the mountains and the earth (encontrei a versão "Nothing lives long only the earth and mountains" creditada ao historiador e escritor americano Dee Brown, porém não encontrei nenhuma citação direta a ele na história a seguir). Nada vive para sempre, apenas a terra e as montanhas. Esta foi a frase que ajudou a designer de interiores Stefania Folliini a suportar os 130 dias de isolamento ao qual se sujeitou voluntariamente. Tratava-se de um experimento realizado em 1989 para o estudo dos ciclos circadianos em uma caverna subterrânea (sem indicação do dia ou da noite) em Carlsbad, Novo México, para o qual Stefania se voluntariou. O experimento durou de 13 de Janeiro a 22 de Maio de 1989 e foi organizado pela NASA em conjunto com a Pionner Frontier Explorations em um lugar chamado de "Lost Cave" (caverna perdida). Provavelmente Follini e muitos outros que passaram por situações parecidas, tem algo a nos ensinar sobre o atual período onde enfrentamos em maior ou menor medida, o isolamento social como consequência de uma grave pandemia. Este tema é de suma importância para as pesquisas sobre exploração espacial, pois além de entender como o corpo humano responde em condições adversas (ausência de gravidade, ausência de um ciclo diário de 24h...), é necessário também entender como a mente humana responde nas mesmas condições, além é claro de entender as dinâmicas sociais para que uma missão espacial de longa duração se torne viável. Imagine um grande Big brother no espaço durante meses ou até mesmo anos, haja saúde mental para isso.

Stefania Follini (Fonte: Revista Caos)


Um caso que acabou se tornando famoso e até inspirou um filme em 2019 (Lucy in the Sky) é o da ex astronauta Lisa Kowak que após se envolver em um triângulo amoroso foi presa por tentativa de homicídio. O tribunal avaliou que Lisa sofria de um distúrbio psicótico devido a recente viagem espacial, o que ajudou a ligar um alerta na NASA. A agência espacial aposta em um rigoroso processo seletivo e um intenso acompanhamento de seus astronautas, o que que inclui atividades de lazer, exercícios e também conversas periódicas com a família. "Ficar isolado pode ser muito assustador" diz neste vídeo o ex astronauta Chris Hadfield, que comandou a estação espacial internacional. "Identificados os riscos, sua missão, seu senso de propósito e suas obrigações, é hora de tomar medidas. Comece a fazer coisas. Elas não precisam ser coisas que sempre fez antes. Cuide da família, inicie um novo projeto, aprenda a tocar violão, estude outro idioma, leia um livro, escreva, crie." O próprio Chris colocou isso em prática ao interpretar Space Oddity de David Bowie de uma forma um tanto quanto diferente.

Chris Hadfield na estação espacial


Considerando que Marte é o nosso maior e mais próximo objetivo, várias simulações têm sido feitas nos últimos anos como a Mars500 e a HI-SEAS que além de estudar o fator psicológico, procuram também reproduzir condições inóspitas que serão encontradas no espaço. Em várias delas os astronautas só podem sair usando seus trajes e possuem tempo limitado para falar com a família. O que gera uma porção de dados para serem analisados e estratégias a serem implantadas. 

Voltando ao experimento do início do texto, foi constatado que Stefania teve alterações hormonais, de sono, perda de peso e passou por diversos momentos obscuros. Ela se sujeitou a tudo isso e atraiu milhares de olhares para dentro de uma caverna afim de que no futuro pudessemos olhar para o alto. Neste momento em 2020, nos pegamos olhando para nossas próprias cavernas, devido a toda a crise que nos rodeia. Podemos então nos apegar ao mesmo mantra que ela usou e lembrar que nada disso "viverá" para sempre. Se estaremos aqui com a terra e as montanhas no futuro, dependerá somente de nós.

Referências:


O Homem por trás do Gênio

Lançada em 2017 e com sua terceira temporada confirmada para 2020 (pelo menos até este momento, já que em tempos de pandemia todo cronograma é incerto), a série Genius tem a proposta de criar uma antologia baseada em um protagonista diferente por temporada. Sendo que na temporada de estréia tivemos nada mais nada menos do que Albert Einstein, nome quase instantaneamente vinculado a palavra genialidade.

A série foi bem recebida por público e crítica sendo indicada a vários prêmios.  Uma segunda temporada foi lançada e uma terceira confirmada, tendo como protagonistas Pablo Picasso e Aretha Franklin respectivamente.

Como podem supor pelo nome deste humilde blog trataremos aqui da primeira temporada e de um dos cientistas mais brilhantes de todos os tempos.

Baseada na biografia escrita em 2007 por Walter Isaacson (Einstein: Sua vida, seu universo) temos aqui uma estrutura de dez episódios que vão e voltam no tempo alternando entre um Einstein mais velho (Geofrey Rush) e um mais jóvem (Johnny Flynn). A narrativa é dedicada a mostrar a intimidade do homem por trás do gênio. Assim são revelados vários aspectos de sua personalidade, de sua vida amorosa, de suas obsessões e de seu brilhantismo.

Geoffrey Rush as Einstein
Geofrey Rush como Einstein (Fonte: National Geographic)
Também chamam a atenção na série, as diversas aparições de figuras históricas (Marrie Currie, Max Planck, Carl Jung...) e também o cenário político que permeia a vida do Físico. Desde a fuga do nazismo na Alemanha (onde temos uma fotografia escura e um clima mais tenso) até a luta contra o desarmamento nuclear e a perseguição do FBI.

Temos também os momentos de calmaria onde predominam os tons mais claros, ressaltando o lado sonhador de Einstein, principalmente em sua juventude e seu primeiro romance, mas também nas singelas cenas onde ele ensina matemática para uma garotinha.

Apesar dos dez episódios, alguns saltos temporais são necessários, o que pode confundir alguns espectadores. Porém a série dedica um bom tempo ao primeiro casamento de Einstein com Mileva Maric, com quem teve dois filhos.  Nesta etapa, vamos da fase do encantamento ao ver a única mulher na sala de aula até o trauma do divórcio que se arrastou por anos. Mileva acaba sendo uma personagem de destaque e que merece ser conhecida pelo grande público. Uma mulher que interrompeu seu sonho de se tornar cientista em prol da família e dos sonhos do marido. Alguém que  sempre estava lá para revisar os cálculos de seu amado, mesmo que este jamais tenha pensado em lidar algum crédito por isso. Se hoje em dia as mulheres lutam para ter mais voz, imagine em meados de 1900...

Em vários momentos chegamos a ter raiva de Einstein e de suas atitudes misóginas, adulteras e egoístas.

Genius (2017-)
Einstein e Mileva (Fonte: IMDB)
Este fato torna a experiência proporcionada, mais rica e verossímil. Primeiro pela carga dramática gerada por um personagem repleto de camadas e segundo pela narrativa que mostra que os grandes nomes da história são antes de mais nada, pessoas comuns. Homens e mulheres em busca de seus sonhos.

Nossa cultura sempre conta a história clichê do gênio que se superou e venceu. Isso gera uma imagem caricata e irreal dos retratados nessas histórias.

Neste sentido, Genius presta um ótimo serviço em desmistificar este tipo de narrativa. Mesmo que os aspectos positivos como a curiosidade, os insights, a rebeldia e a imaginação estejam todos ali, os apsectos negativos como a negligência com a família, a teimosia, os impulsos de traição e os conflitos pessoais tem igual peso. Isso pode tornar nosso protagonista odiável e amável ao mesmo tempo.

Essa mesma dualidade também paira sobre a ciência retratada na série. Diversos cientistas com seus egos e suas convicções entram em conflito o tempo todo. Ao mesmo tempo que vemos um Frittz Harber que ajudou a salvar milhares da miséria através de invenções que foram utilizadas na agricultura, vemos o mesmo homem ajudando a matar milhares com  suas invenções durante a primeira guerra. Temos outros como Philipp Lenard que outrora fez grandes contribuições científicas (com suas pesquisas sobre raios catódicos) mas também sucumbiu em sua própria ideologia nazista, fechando sua mente para o progresso científico.

Outras questões envolvendo a responsabilidade dos cientistas em meio a política são exploradas de forma abrangente. Percebam que negacionismo e ideologia tentando sobrepujar ciência não é nenhuma exclusividade do século XXI. Basta trocar a palavra guerra, pela palavra pandemia e nota-se que evoluímos muito pouco em mais de cem anos. Pelo menos na série, não temos ninguém falando em terra plana ¯\_(ツ)_/¯.

Por fim a série Genius é uma ótima propaganda sobre Einstein e a ciência em geral. Mas ela vai muito além disso, pois nos ajuda a lembrar que por trás dos gênios existem seres humanos.





Referências

https://pt.wikipedia.org/wiki/Genius_(s%C3%A9rie_de_televis%C3%A3o)

https://www.nationalgeographicbrasil.com/video/tv/genius-vida-de-einstein

A janela e as estrelas


"Um menino maravilhado com as estrelas no céu à noite sai em uma viagem de grande descoberta. Enquanto uma pergunta é respondida, outras aparecem. Rapidamente, onde havia um menino curioso, um grande cientista vai surgir".

A sinopse acima refere-se a um maravilhoso curta sobre a infância/juventude de um dos maiores divulgadores científicos que já passou por este pálido ponto azul no universo: Carl Sagan .

O curta intitulado “Star Stuff: The Story of Carl Sagan” (em português, “Poeira de Estrelas”) pode ser encontrado abaixo:



Trata-se de uma espécie de "passion project" da vida do diretor croata Ratimir Rakuljic (que também roteirizou a história). O filme foi exibido em diversos festivais no ano de seu lançamento (2015) e chegou até mim, por um acaso, em uma destas postagens em redes sociais.

De fato, a história do jóvem Carl merece ser contada e recontada diversas e diversas vezes, afim de inspirar mais e mais sonhadores que estão na janela de suas casas enquanto contemplam este vasto universo cheio de pontinhos luminosos, os quais damos o nome de estrelas. E pensar que esses pontinhos e nós compartilhamos algo em comum, pois como diria o próprio Sagan:

 "O nitrogênio em nosso DNA, o cálcio em nossos dentes, o ferro em nosso sangue, o carbono em nossas tortas de maçã, foram todos fabricados no interior de estrelas em colapso. Nós somos feitos de poeira das estrelas." (Carl Sagan)

Imagem 01 - Famosa citação de Carl Sagan

Poeiras das estrelas contemplando as estrelas e ansiando por descobrir o que nos aguarda no desconhecido. Desconhecido este que vive por desafiar a nós, os contempladores de estrelas. Enquanto este texto é escrito o mundo passa por uma de suas maiores crises nos últimos anos, uma pandemia sem precedentes capaz de parar um planeta inteiro, causando mudanças das quais não temos a menor ideia das consequências futuras. 

Assim como a noite contemplada pelo jóvem garoto do curta metragem, nos vemos diante de uma escuridão, uma vastidão de dúvidas que desafiam nossas capacidades. Desde a nossa curiosidade pelo futuro, até nossos medos mais primitivos, como o da solidão, o da morte, o da falta de controle.

Por sorte (ou apenas otimismo), também possuímos nossos pontinhos iluminados no céu escuro, nossas pequenas estrelas repletas de esperança: Médicos que estão arriscando suas vidas diariamente, voluntários que se propõe a ajudar aqueles com menos condição, líderes que estão dando a devida importância ao que está acontecendo (e pode ter certeza que o Brasil não está incluso nisso), cientistas que buscam incessantemente soluções... 

Assim como a Astronomia ("a ciência das estrelas") nos ensina diariamente a enxergar nosso tamanho mediante aos corpos celetes, o desafio pelo qual estamos passamos também pode servir para enxergamos nosso tamanho mediante a natureza, ao universo, Pode servir para uma reflexão sobre quem somos, onde estamos, como chegamos até aqui...

Momentos como este servem para nos lembrar o significado da palavra humildade, servem para lembrar que o cosmos, esta imensidão inconcebível pelas nossas mentes, resistirá e persistirá por muito tempo, enquanto nós, a poeira, um dia estaremos de volta às estrelas.

Enquanto isso, o que nos impede de ser a criança que contempla as estrelas através da janela com curiosidade e esperança? 

Sim, com esperança, afinal é disso que a Ciência se trata...

Fontes:

Reflexões sobre Carl Sagan 

Bastidores do filme 

Generalizações

Inspirado pela notícia de que um garoto nigeriano de apenas 12 anos descobriu uma fórmula matemática que simplifica o estudo da divisão  e também pela leitura que estou fazendo do livro "O último Teorema de Fermat (Simon Singh, 1998)", comecei a refletir sobre alguns conceitos matemáticos que normalmente não recebem a devida atenção enquanto são aprendidos.
Já parou para refletir no poder de uma demonstração matemática? Ou de uma teoria Física que serve para casos aparentemente não relacionados? Normalmente estamos tão travados no processo de aprender os passos daquilo, que não paramos para entender o verdadeiro poder de tais artifícios.
Partir de uma observação, uma pequena parte de algo e tomar conclusões sobre o todo, não é incrível?



Figura 1: Sobre a primeira detecção de ondas gravitacionais ocorrida em setembro de 2015


A charge acima refere-se a uma das teorias mais poderosas existentes. A teoria da relatividade de Einstein, que ano após ano segue rendendo novas evidências de sua validade. Sendo que uma das mais celebradas foi a detecção de ondas gravitacionais em 2015. Uma teoria capaz de fazer correções nos cálculos Newtonianos, transformar profundamente nossa compreensão do universo, explicar diversos fenômenos, fazer outras tantas previsões, além de abrir caminho na área de energia nuclear que infelizmente utilizamos para a criação de bombas (alguma surpresa?).

E olha que ouvimos gente por ai dizendo que algumas coisas da ciência "são apenas teoria"  ¯\_(ツ)_/¯

Por obra do destino ou da minha preguiça demorei muito para finalizar este texto e coincidentemente já havia acabado a leitura do livro citado acima. Quando retomei o texto a ideia que eu havia iniciado estava muito mais forte e clara em minha cabeça. 

Isso foi uma consequência direta de ler sobre a busca de Andrew Wiles pela demonstração do último Teorema de Fermat, uma busca de mais de 350 anos que passou por diversas gerações de matemáticos e culminou em uma das histórias mais bonitas bonitas que já li em minha vida: A comprovação da conjectura de Taniyama-Shimura (espero conseguir chegar perto de entender esta matemática um dia) e consequentemente a demonstração do teorema. 

É uma dessas histórias (assim como a notícia do início) que me faz ter um pouco (só um pouco ein) de fé na humanidade...

Já pensou se nesse mundo cada vez mais retrógrado e intolerante, nós deixássemos as generalizações apenas para a ciência?

Referências