A ciência em Hollywood

Recentemente temos tido um pequeno boom em como a ciência é vista na cultura Pop. Ano passado tivemos o ótimo (mas não perfeito) "Interstellar" de Cristopher Nolan (Batman, A Origem) e este ano o também muito bom "Perdido em marte" do consagrado Ridley ScotT (Alien, Gladiador). No Óscar deste ano tivemos: "A teoria de Tudo", sobre o físico Stephen Hawking e "O Jogo da Imitação" sobre o matemático Alan Turring concorrento fortemente (a academia adora biografias) em diversas categorias. Para nós, amantes da ciência, é muito bom que ela seja levada ao grande público... ou será que não?


Imagem 1: Benedict Cumberbatch como Alan Turring



Falar de ciência para quem está no meio acadêmico nem sempre é fácil e quando ela é levada  para fora deste meio, nos chamados espaços informais (cinema, tv, teatro...) a dificuldade é maior ainda e a isso deve ser feito de forma muito cuidadosa, pois o poder da mídia de criar uma ideia (seja ela "certa" ou "errada") é muito grande. Temos aqui que ressaltar que um filme de ficção científica (os dois primeiros acima citados) não tem por função ficar restrito ao conhecimento científico vigente. Estes filmes procuram estabelecer uma lógica interna que dê respaldo aos acontecimentos.  Já as biografias (os dois últimos acima citados) tem por função ser o mais fiel possível a história.

Embora não haja um consenso entre os acadêmicos sobre a validade deste tipo de material na divulgação científica, é nítido que ele desperta o interesse de uma grande parte de seus espectadores para ir em busca de conhecimento científico. Soma-se a este fator, os tons cada vez mais maduros e realistas que a linguagem cinematográfica vêm assumindo e temos o nosso boom sobre filmes que tratam de ciência de uma forma séria. Para este tipo de filme, que se vende como realista, ressalto aqui dois grandes perigos:

- Os Erros conceituais

- Os Estereótipos

A fim de se resolver o primeiro tipo de erro, os produtores de cinema tem investido cada vez mais na consultoria de especialistas e no acompanhamento durante a produção de um filme/série.  Veja por exemplo Kip Thorne que acompanhou o processo de criação de Interstellar. O Buraco negro mostrado no filme é muito parecido com o que os cientistas acreditam ser um buraco negro real. Ele foi gerado através de cálculos matemáticos e não se trata apenas de animação ou conceitos artísticos. Apesar dessa fidelidade toda, alguns efeitos foram desconsiderados nas simulações para não confundir o público. Portanto não é exatamente o Buraco Negro mais realista que iremos ver ou vimos.

Perdido em Marte teve a NASA como sua consultora (só eu notei o "propagandismo" do filme?), além de ser lançado na semana em que a própria agência espacial divulgou notícias em relação a Marte.


Imagem 2: Matt Daemon é abandonado em Marte

Estes são apenas alguns exemplos que mostram como a arte, o entretenimento e a ciência podem andar juntos. Portanto, com um bom investimento e seriedade podemos minimizar ao máximo os erros conceituais de um filme/série que pretende abordar a ciência de forma séria. Mas e quanto ao segundo problema? Como trabalhar personagens e situações para que não sejam cartunescas ou mesmo estereotipadas, levando uma ideia errada para o grande público? 

Diferente do que muitos pensam a ciência é uma produção completamente humana, portanto os "fazedores de ciência" não são super-humanos e nem sempre gênios que possuem insights o tempo todo. Tão pouco precisam ser egocêntricos ou problemáticos, ou os famosos "esquisitões".

Imagem 3: o esquisitão inteligente de The Walking Dead, Eugene

Acima de tudo, seja em biografias ou filmes de ficção estamos falando de seres humanos, com tendências, crenças e uma história de vida. Mostrá-los sempre como estereótipos ou clichês cria no público uma ideia errada sobre aqueles que estão envolvidos com a produção científica.

A cena que já virou meme na internet com Matthew Mcconaughey's reagindo a uma situação em que a relatividade é abordada de uma forma plausível científicamente e extremamente humana foi uma das cenas mais emotivas que presenciei nas telinhas em 2014 (Depois disso a reação de Matthew é usada em qualquer trailer de cinema como sátira, veja abaixo)





Pode parecer contraditório, mas muitas vezes o maior problema que os filmes sobre ciência encontram não está relacionado à própria ciência e sim à parte humana.



Referências




Ficção científica 


Nasa em "Perdido em Marte" 






O Palmeiras e Galileu

Ora, mas o que teria em comum o clube de Futebol Sociedade Esportiva Palmeiras com o grande cientista Galileu Galilei? Além das origens italianas?

Pois bem, o Palmeiras protagonizou este ano dois belos lances em duas partidas de futebol (contra um grande rival e um deles foi recente, o que me motiva a escrever, já que sou Palestrino). Vejam por si mesmos:








É um lance de rara felicidade (O Gol que Pelé não fez), mas que ocasionalmente acontece para nosso deleite visual. 

E quanto a Galileu? Pois bem, sabemos que a ciência utiliza-se de modelos teóricos para construir aproximações que nos permitam compreender os fenômenos da natureza. E coube a Galileu desenvolver um modelo que nos permite estudar a trajetória (atribui-se a Galileu o que se chama de "princípio da decomposição dos movimentos"). 

De forma simplificada: No colégio aprendemos a estudar o movimento retilíneo uniforme, o movimento uniformemente variado e o movimento circular uniforme

A principal diferença entre os dois primeiros é a presença da aceleração ( o que acarreta em uma mudança de velocidade). Já o terceiro está relacionado a uma trajetória completamente circular devido a presença de uma força que aponta para o centro (a força centrípeta)

Sabemos que os movimentos podem ser dos mais diversos tipos, misturando todos estes citados e descrevendo trajetórias mais complexas. Pois bem, o movimento da bola no chute de Robinho descreve uma trajetória específica, uma parábola (lembram-se dessa palavra ao estudar equações de segundo grau? Ou mesmo da curva formada pela antena parabólica?)



Este tipo de lançamento é chamado de lançamento oblíquo, e podemos aplicar o princípio da decomposição dos movimentos de Galileu, ele diz que podemos subdividir este movimento em dois movimentos:

- Vertical: Sujeito a aceleração da gravidade (assim como o lançamento simples de uma moeda em linha reta para cima)

- Horizontal (não sujeito a aceleração da gravidade e portanto uniforme)

Utilizando técnicas de decomposição vetorial e trigonometria (o que não é o foco do texto) podemos determinar as velocidades: Vertical e Horizontal. 

v1,v2...v5 representam a velocidade resultante do movimento (antes de serem decompostas), as outras são as componentes, utilizando a trigonometria no triângulo retângulo
Sabemos que a velocidade na horizontal não irá mudar (desprezando o atrito com o ar e eventuais "imprevistos" na situação estudada - Um zagueiro interferindo por exemplo), pois não está sujeita a nenhuma aceleração, e conhecemos a forma como a velocidade na vertical irá mudar (dada a aceleração da gravidade na terra), pois são conhecidas as equações do movimento uniformemente variado. E tem mais, o tempo para os dois movimentos é o mesmo, pois ambos acontecem simultaneamente. 

Recheados de tantas informações e conhecendo por exemplo a velocidade inicial do lançamento e o ângulo do chute, podemos determinar: O ponto mais alto da trajetória, o tempo que a bola leva para atingir este ponto, tempo que ela demora para voltar ao solo, o tempo total do movimento... Podemos também determinar o alcance deste chute. Vejam como podemos estudar detalhadamente uma situação cotidiana, usando recursos que aprendemos no colégio!

E visando fazer esta conexão com nosso dia a dia a UNIFEI (Universidade Federal de Itajubá) em seu vestibular de 2010 transformou outro gol do Palmeiras (dessa vez de Diego Souza e de uma distância ainda maior) em uma questão de seu processo seletivo, veja:

"Num jogo do campeonato brasileiro o jogador do Palmeiras, Diego Souza, fez um belo gol no time do Atlético Mineiro chutando a bola desde o meio do campo. Supondo que no momento do chute a bola estivesse em contato com o solo e a uma distância de 54 m do ponto onde ela tocou o chão, já dentro do gol atleticano, calcule a altura máxima atingida pela bola em sua trajetória. Despreze o atrito com o ar, considere que a duração do vôo da bola tenha sido de 3,0 s e que g = 10 m/s²"

Veja uma matéria que o Globo Esporte fez na época, clicando aqui

O foco do Blog não é a resolução de exercícios, mas vejam como uma situação inteligente e próxima à realidade dos estudantes pode despertar muito mais interesse do que exercícios abstratos e sem contexto. Em breve podemos falar deste exercício de novo ;)

E ai vovô Ceni, será que você faltou as aulas de movimento oblíquo? E o Robinho será que tirava dez? Será que esse ano teremos mais Palmeiras no vestibular? 

Até a próxima!

Referências

Gabarito UNIFEI 2010 [1]

Lançamento Oblíquo [2]