Nada vive para sempre, apenas a terra e as montanhas


Nothing lives forever, only the mountains and the earth (encontrei a versão "Nothing lives long only the earth and mountains" creditada ao historiador e escritor americano Dee Brown, porém não encontrei nenhuma citação direta a ele na história a seguir). Nada vive para sempre, apenas a terra e as montanhas. Esta foi a frase que ajudou a designer de interiores Stefania Folliini a suportar os 130 dias de isolamento ao qual se sujeitou voluntariamente. Tratava-se de um experimento realizado em 1989 para o estudo dos ciclos circadianos em uma caverna subterrânea (sem indicação do dia ou da noite) em Carlsbad, Novo México, para o qual Stefania se voluntariou. O experimento durou de 13 de Janeiro a 22 de Maio de 1989 e foi organizado pela NASA em conjunto com a Pionner Frontier Explorations em um lugar chamado de "Lost Cave" (caverna perdida). Provavelmente Follini e muitos outros que passaram por situações parecidas, tem algo a nos ensinar sobre o atual período onde enfrentamos em maior ou menor medida, o isolamento social como consequência de uma grave pandemia. Este tema é de suma importância para as pesquisas sobre exploração espacial, pois além de entender como o corpo humano responde em condições adversas (ausência de gravidade, ausência de um ciclo diário de 24h...), é necessário também entender como a mente humana responde nas mesmas condições, além é claro de entender as dinâmicas sociais para que uma missão espacial de longa duração se torne viável. Imagine um grande Big brother no espaço durante meses ou até mesmo anos, haja saúde mental para isso.

Stefania Follini (Fonte: Revista Caos)


Um caso que acabou se tornando famoso e até inspirou um filme em 2019 (Lucy in the Sky) é o da ex astronauta Lisa Kowak que após se envolver em um triângulo amoroso foi presa por tentativa de homicídio. O tribunal avaliou que Lisa sofria de um distúrbio psicótico devido a recente viagem espacial, o que ajudou a ligar um alerta na NASA. A agência espacial aposta em um rigoroso processo seletivo e um intenso acompanhamento de seus astronautas, o que que inclui atividades de lazer, exercícios e também conversas periódicas com a família. "Ficar isolado pode ser muito assustador" diz neste vídeo o ex astronauta Chris Hadfield, que comandou a estação espacial internacional. "Identificados os riscos, sua missão, seu senso de propósito e suas obrigações, é hora de tomar medidas. Comece a fazer coisas. Elas não precisam ser coisas que sempre fez antes. Cuide da família, inicie um novo projeto, aprenda a tocar violão, estude outro idioma, leia um livro, escreva, crie." O próprio Chris colocou isso em prática ao interpretar Space Oddity de David Bowie de uma forma um tanto quanto diferente.

Chris Hadfield na estação espacial


Considerando que Marte é o nosso maior e mais próximo objetivo, várias simulações têm sido feitas nos últimos anos como a Mars500 e a HI-SEAS que além de estudar o fator psicológico, procuram também reproduzir condições inóspitas que serão encontradas no espaço. Em várias delas os astronautas só podem sair usando seus trajes e possuem tempo limitado para falar com a família. O que gera uma porção de dados para serem analisados e estratégias a serem implantadas. 

Voltando ao experimento do início do texto, foi constatado que Stefania teve alterações hormonais, de sono, perda de peso e passou por diversos momentos obscuros. Ela se sujeitou a tudo isso e atraiu milhares de olhares para dentro de uma caverna afim de que no futuro pudessemos olhar para o alto. Neste momento em 2020, nos pegamos olhando para nossas próprias cavernas, devido a toda a crise que nos rodeia. Podemos então nos apegar ao mesmo mantra que ela usou e lembrar que nada disso "viverá" para sempre. Se estaremos aqui com a terra e as montanhas no futuro, dependerá somente de nós.

Referências:


O Homem por trás do Gênio

Lançada em 2017 e com sua terceira temporada confirmada para 2020 (pelo menos até este momento, já que em tempos de pandemia todo cronograma é incerto), a série Genius tem a proposta de criar uma antologia baseada em um protagonista diferente por temporada. Sendo que na temporada de estréia tivemos nada mais nada menos do que Albert Einstein, nome quase instantaneamente vinculado a palavra genialidade.

A série foi bem recebida por público e crítica sendo indicada a vários prêmios.  Uma segunda temporada foi lançada e uma terceira confirmada, tendo como protagonistas Pablo Picasso e Aretha Franklin respectivamente.

Como podem supor pelo nome deste humilde blog trataremos aqui da primeira temporada e de um dos cientistas mais brilhantes de todos os tempos.

Baseada na biografia escrita em 2007 por Walter Isaacson (Einstein: Sua vida, seu universo) temos aqui uma estrutura de dez episódios que vão e voltam no tempo alternando entre um Einstein mais velho (Geofrey Rush) e um mais jóvem (Johnny Flynn). A narrativa é dedicada a mostrar a intimidade do homem por trás do gênio. Assim são revelados vários aspectos de sua personalidade, de sua vida amorosa, de suas obsessões e de seu brilhantismo.

Geoffrey Rush as Einstein
Geofrey Rush como Einstein (Fonte: National Geographic)
Também chamam a atenção na série, as diversas aparições de figuras históricas (Marrie Currie, Max Planck, Carl Jung...) e também o cenário político que permeia a vida do Físico. Desde a fuga do nazismo na Alemanha (onde temos uma fotografia escura e um clima mais tenso) até a luta contra o desarmamento nuclear e a perseguição do FBI.

Temos também os momentos de calmaria onde predominam os tons mais claros, ressaltando o lado sonhador de Einstein, principalmente em sua juventude e seu primeiro romance, mas também nas singelas cenas onde ele ensina matemática para uma garotinha.

Apesar dos dez episódios, alguns saltos temporais são necessários, o que pode confundir alguns espectadores. Porém a série dedica um bom tempo ao primeiro casamento de Einstein com Mileva Maric, com quem teve dois filhos.  Nesta etapa, vamos da fase do encantamento ao ver a única mulher na sala de aula até o trauma do divórcio que se arrastou por anos. Mileva acaba sendo uma personagem de destaque e que merece ser conhecida pelo grande público. Uma mulher que interrompeu seu sonho de se tornar cientista em prol da família e dos sonhos do marido. Alguém que  sempre estava lá para revisar os cálculos de seu amado, mesmo que este jamais tenha pensado em lidar algum crédito por isso. Se hoje em dia as mulheres lutam para ter mais voz, imagine em meados de 1900...

Em vários momentos chegamos a ter raiva de Einstein e de suas atitudes misóginas, adulteras e egoístas.

Genius (2017-)
Einstein e Mileva (Fonte: IMDB)
Este fato torna a experiência proporcionada, mais rica e verossímil. Primeiro pela carga dramática gerada por um personagem repleto de camadas e segundo pela narrativa que mostra que os grandes nomes da história são antes de mais nada, pessoas comuns. Homens e mulheres em busca de seus sonhos.

Nossa cultura sempre conta a história clichê do gênio que se superou e venceu. Isso gera uma imagem caricata e irreal dos retratados nessas histórias.

Neste sentido, Genius presta um ótimo serviço em desmistificar este tipo de narrativa. Mesmo que os aspectos positivos como a curiosidade, os insights, a rebeldia e a imaginação estejam todos ali, os apsectos negativos como a negligência com a família, a teimosia, os impulsos de traição e os conflitos pessoais tem igual peso. Isso pode tornar nosso protagonista odiável e amável ao mesmo tempo.

Essa mesma dualidade também paira sobre a ciência retratada na série. Diversos cientistas com seus egos e suas convicções entram em conflito o tempo todo. Ao mesmo tempo que vemos um Frittz Harber que ajudou a salvar milhares da miséria através de invenções que foram utilizadas na agricultura, vemos o mesmo homem ajudando a matar milhares com  suas invenções durante a primeira guerra. Temos outros como Philipp Lenard que outrora fez grandes contribuições científicas (com suas pesquisas sobre raios catódicos) mas também sucumbiu em sua própria ideologia nazista, fechando sua mente para o progresso científico.

Outras questões envolvendo a responsabilidade dos cientistas em meio a política são exploradas de forma abrangente. Percebam que negacionismo e ideologia tentando sobrepujar ciência não é nenhuma exclusividade do século XXI. Basta trocar a palavra guerra, pela palavra pandemia e nota-se que evoluímos muito pouco em mais de cem anos. Pelo menos na série, não temos ninguém falando em terra plana ¯\_(ツ)_/¯.

Por fim a série Genius é uma ótima propaganda sobre Einstein e a ciência em geral. Mas ela vai muito além disso, pois nos ajuda a lembrar que por trás dos gênios existem seres humanos.





Referências

https://pt.wikipedia.org/wiki/Genius_(s%C3%A9rie_de_televis%C3%A3o)

https://www.nationalgeographicbrasil.com/video/tv/genius-vida-de-einstein

A janela e as estrelas


"Um menino maravilhado com as estrelas no céu à noite sai em uma viagem de grande descoberta. Enquanto uma pergunta é respondida, outras aparecem. Rapidamente, onde havia um menino curioso, um grande cientista vai surgir".

A sinopse acima refere-se a um maravilhoso curta sobre a infância/juventude de um dos maiores divulgadores científicos que já passou por este pálido ponto azul no universo: Carl Sagan .

O curta intitulado “Star Stuff: The Story of Carl Sagan” (em português, “Poeira de Estrelas”) pode ser encontrado abaixo:



Trata-se de uma espécie de "passion project" da vida do diretor croata Ratimir Rakuljic (que também roteirizou a história). O filme foi exibido em diversos festivais no ano de seu lançamento (2015) e chegou até mim, por um acaso, em uma destas postagens em redes sociais.

De fato, a história do jóvem Carl merece ser contada e recontada diversas e diversas vezes, afim de inspirar mais e mais sonhadores que estão na janela de suas casas enquanto contemplam este vasto universo cheio de pontinhos luminosos, os quais damos o nome de estrelas. E pensar que esses pontinhos e nós compartilhamos algo em comum, pois como diria o próprio Sagan:

 "O nitrogênio em nosso DNA, o cálcio em nossos dentes, o ferro em nosso sangue, o carbono em nossas tortas de maçã, foram todos fabricados no interior de estrelas em colapso. Nós somos feitos de poeira das estrelas." (Carl Sagan)

Imagem 01 - Famosa citação de Carl Sagan

Poeiras das estrelas contemplando as estrelas e ansiando por descobrir o que nos aguarda no desconhecido. Desconhecido este que vive por desafiar a nós, os contempladores de estrelas. Enquanto este texto é escrito o mundo passa por uma de suas maiores crises nos últimos anos, uma pandemia sem precedentes capaz de parar um planeta inteiro, causando mudanças das quais não temos a menor ideia das consequências futuras. 

Assim como a noite contemplada pelo jóvem garoto do curta metragem, nos vemos diante de uma escuridão, uma vastidão de dúvidas que desafiam nossas capacidades. Desde a nossa curiosidade pelo futuro, até nossos medos mais primitivos, como o da solidão, o da morte, o da falta de controle.

Por sorte (ou apenas otimismo), também possuímos nossos pontinhos iluminados no céu escuro, nossas pequenas estrelas repletas de esperança: Médicos que estão arriscando suas vidas diariamente, voluntários que se propõe a ajudar aqueles com menos condição, líderes que estão dando a devida importância ao que está acontecendo (e pode ter certeza que o Brasil não está incluso nisso), cientistas que buscam incessantemente soluções... 

Assim como a Astronomia ("a ciência das estrelas") nos ensina diariamente a enxergar nosso tamanho mediante aos corpos celetes, o desafio pelo qual estamos passamos também pode servir para enxergamos nosso tamanho mediante a natureza, ao universo, Pode servir para uma reflexão sobre quem somos, onde estamos, como chegamos até aqui...

Momentos como este servem para nos lembrar o significado da palavra humildade, servem para lembrar que o cosmos, esta imensidão inconcebível pelas nossas mentes, resistirá e persistirá por muito tempo, enquanto nós, a poeira, um dia estaremos de volta às estrelas.

Enquanto isso, o que nos impede de ser a criança que contempla as estrelas através da janela com curiosidade e esperança? 

Sim, com esperança, afinal é disso que a Ciência se trata...

Fontes:

Reflexões sobre Carl Sagan 

Bastidores do filme 

Generalizações

Inspirado pela notícia de que um garoto nigeriano de apenas 12 anos descobriu uma fórmula matemática que simplifica o estudo da divisão  e também pela leitura que estou fazendo do livro "O último Teorema de Fermat (Simon Singh, 1998)", comecei a refletir sobre alguns conceitos matemáticos que normalmente não recebem a devida atenção enquanto são aprendidos.
Já parou para refletir no poder de uma demonstração matemática? Ou de uma teoria Física que serve para casos aparentemente não relacionados? Normalmente estamos tão travados no processo de aprender os passos daquilo, que não paramos para entender o verdadeiro poder de tais artifícios.
Partir de uma observação, uma pequena parte de algo e tomar conclusões sobre o todo, não é incrível?



Figura 1: Sobre a primeira detecção de ondas gravitacionais ocorrida em setembro de 2015


A charge acima refere-se a uma das teorias mais poderosas existentes. A teoria da relatividade de Einstein, que ano após ano segue rendendo novas evidências de sua validade. Sendo que uma das mais celebradas foi a detecção de ondas gravitacionais em 2015. Uma teoria capaz de fazer correções nos cálculos Newtonianos, transformar profundamente nossa compreensão do universo, explicar diversos fenômenos, fazer outras tantas previsões, além de abrir caminho na área de energia nuclear que infelizmente utilizamos para a criação de bombas (alguma surpresa?).

E olha que ouvimos gente por ai dizendo que algumas coisas da ciência "são apenas teoria"  ¯\_(ツ)_/¯

Por obra do destino ou da minha preguiça demorei muito para finalizar este texto e coincidentemente já havia acabado a leitura do livro citado acima. Quando retomei o texto a ideia que eu havia iniciado estava muito mais forte e clara em minha cabeça. 

Isso foi uma consequência direta de ler sobre a busca de Andrew Wiles pela demonstração do último Teorema de Fermat, uma busca de mais de 350 anos que passou por diversas gerações de matemáticos e culminou em uma das histórias mais bonitas bonitas que já li em minha vida: A comprovação da conjectura de Taniyama-Shimura (espero conseguir chegar perto de entender esta matemática um dia) e consequentemente a demonstração do teorema. 

É uma dessas histórias (assim como a notícia do início) que me faz ter um pouco (só um pouco ein) de fé na humanidade...

Já pensou se nesse mundo cada vez mais retrógrado e intolerante, nós deixássemos as generalizações apenas para a ciência?

Referências








Mundo da Lua

Antes tarde do que nunca! O último post deste blog trata de um filme que aborda a chegada do homem a lua (First Man, 2018). Pois bem, No último dia 20 completamos cinquenta anos daquele que foi um pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade. Na internet não faltam textos, vídeos e podcasts deste que foi de fato um dos grandes acontecimentos do século passado (No fim do texto separei algumas referências).

Portanto, este texto tem como objetivo uma pequena reflexão sobre nossas grandes  realizações positivas através da ciência e sobre o potencial destrutivo que existe em desacreditá-las.

Existe um movimento anti-científico que vem ganhando força, não só no Brasil, mas também no mundo. O que seria isso? Estamos diante de uma nova era das trevas? Ainda não, mas as perspectivas não são nada boas...

Segundo o instituo Datafolha, 1 em cada 4 brasileiros não acreditam na ida do Homem à lua e 7% dos brasileiros acreditam na conspiração da terra plana e por ai vai. Poderíamos falar aqui de movimento anti-vacina, negação do aquecimento global, etc.

Tratando-se apenas de Brasil, não faltam "pautas" anti-científicas: Negação do desmatamento na Amazônia, ministros da ciência desmentindo institutos científicos, universidades públicas sendo  desacreditas, ministros da educação dizendo que não são pessoas públicas, conspiração comunista e por ai vai... Realmente não está fácil este 2019 (a gente sabia que ia ser ruim, mas...).

Mas, voltemos ao primeiro parágrafo. Eu me pergunto e proponho que você leitor, faça o mesmo. O que será que estes astronautas, (deste da imagem até os que realmente foram para a Lua, ou mesmo os que "apenas" orbitaram a Terra) sentiram ao olhar aqui para baixo? Aqui neste lugar onde os habitantes tentam se destruir há tanto tempo e mais andam para trás do que para frente. Será que sentiram medo? contemplação? solidão? gratidão?

Eu jamais me atreveria a responder e talvez nem os próprios saibam descrever... Mas acredito que o ser humano busca se entender e saber qual é o seu lugar, isso desde sempre. Uma experiência transformadora como sair do nosso pontinho azul (nem que seja por alguns minutos) e olhar a vizinhança para perceber que existe muito mais para explorar e conhecer, com certeza ajuda a entender um pouco mais quem somos. Buscar o entendimento do que é ser humano para aqueles astronautas, e buscar se entender como espécie para o resto de nós.

Talvez a solução seja exatamente esta para nos entendermos individual e coletivamente... O espaço, o silêncio,  o vácuo que impede que o som se propague e cale todas essas vozes que estão  guerreando,  conspirando e brigando... Assim, quem sabe possamos contemplar aquela pequena vela de conhecimento na escuridão da ignorância que se aproxima...

Referências

Pesquisa Datafolha (O Globo) - https://oglobo.globo.com/sociedade/datafolha-1-em-cada-4-brasileiros-nao-acredita-que-homem-foi-lua-7-acham-que-terra-plana-23811192


A Conquista da Lua - Parte 1 (SciCast) - https://www.deviante.com.br/podcasts/scicast-330/

Como os EUA chegaram à Lua (BBC) - https://www.youtube.com/watch?v=oZTlnZWfyY8

O Primeiro Homem


First Man (2018)
"O primeiro homem" (First man, 2018) estreou no Brasil em Outubro de 2018 e eu não tinha criado coragem de escrever sobre este que é um dos meus filmes preferidos do ano passado. Após ver mais ou menos umas quatro vezes e começar a ler a biografia que inspirou o filme (O Primeiro Homem: A vida de Neil Armstrong, Editora Intrínseca), decidi que era a hora.


Como sempre digo quando falo de ficção científica neste humilde blog, mostrar o lado humano da coisa é sempre um desafio. É claro que mostrar situações coerentes e tratar a ciência envolvida com respeito é de suma importância e é o mínimo que se espera de um filme que quer ser levado à sério. Porém, como dito, isso é o mínimo e muitas obras alcançam tal feito. O que diferencia um sci-fi mediano de um bom sci-fi é quando ele une os dois mundos: Ciência séria e personagens com humanidade. E neste ponto "First man" (que não chega a ser exatamente um sci-fi, mas está bem perto) acerta em cheio ao focar praticamente o filme todo na personalidade de Neil Armstrong (Ryan Gosling) e nos bastidores da primeira missão tripulada à lua.


"O Programa Apollo nasceu em 1961 para suceder os programas Mercury e Gemini, tendo esse primeiro desempenhado o papel de desenvolver as tecnologias e os recursos necessários para lançar naves tripuladas para fora da atmosfera terrestre, e o segundo, a missão de explorar os meios cabíveis de conduzir astronautas até a Lua. O Programa Apollo, portanto, coroou os esforços de seus antecessores". (Brasil escola)

Em uma época onde o formato da terra é questionado sem o menor embasamento, um filme como este é de extema importância para despertar interesse em questões importantes de nossa história recente. Não que ele vá convencer os terra planistas a mudar de ideia, mas vários elementos importantes estão presentes ali. Vou destacar três:

- O contexto da corrida espacial e armamentista que permeeou toda uma geração.

- A pressão da população e de parte da mídia que enxergava no programa um desperdício de recursos públicos.

- A vida dos envolvidos e seus familiares.

Sobre o primeiro ponto é interessante notar como a trinca ciência, tecnologia e militarismo andam sempre próximas umas das outras. Não fosse a competição com a União soviética, quantos anos teríamos levado para investir tanto numa missão como essa? Ao mesmo tempo o segundo item é quase paradoxal em relação ao primeiro, deixe-me explicar: Quando a população e a mídia não enxergam o "retorno" que a ciência traz, são gerados questionamentos e decisões equivocadas são tomadas por parte de nossos governantes (não é mesmo senhor presidente do Brasil? Daqui alguns anos vamos ver o buraco em que nos enfiamos).

A obessão por vencer a guerra fria, misturada com o progresso resultante da missão aliada a boa e velha curiosidade humana foram o suficiente para vencer as críticas a todo o investimento e vidas empreendidos no programa espacial que teve seu momento mais delicado no acidente ocorrido em 27 de janeiro de 1967, o qual vitimou os astronautas Roger B. Chaffee, Edward H. White, II e Virgil "Gus" Grissom. Na ocasião um curto-circuito no interior da cabine causou um incêndio no cockpit (ainda em solo) matando toda a tripulação. Este fato colocou o programa em risco e atrasou em vários meses as missões seguintes (a ocasião é muito bem retratada no filme entre cenas de protesto e coletivas de imprensa).




Vídeo: O acidente que quase acabou com o programa Apollo


E por último mas não menos importante, o arco dos personagens. Onde temos a humanidade dos mesmos sendo retratada de forma bem natural. Neil Armstrong é um homem calado que amargura um trauma pessoal, possui a sensibilidade e a obsessão para comandar uma missão deste tamanho, mas ao mesmo tempo não consegue mostrar a mesma sensibilidade diante dos filhos e dos amigos (todos os méritos ao Ryan Gosling que se tornou o maior especialista em personagens do tipo caladão e cheios de conflito. Drive está ai para comprovar). Destaque também para sua esposa, Janet Shearon (Claire Foy) que jamais faz o papel da "donzela em perigo" e é mostrada como uma mulher forte, capaz de criar os dois filhos, suportar a pressão de ter a família envolvida em algo tão grandioso (detalhe para a cena onde figurões da NASA levam uma verdadeira bronca).

O filme pode acabar assustando os desavisados devido ao rítmo lento e a falta de diálogo, mas nada que comprometa a experiência. Também é inevitável que em filmes deste tipo vários acontecimentos importantes fiquem de fora e diversas situações sejam reimaginadas, mas com certeza os 50 anos da missão Apollo 11 estão bem representados em um uma obra tecnicamente competente (Oscar de melhores efeitos visuais) sobre um tema relevante e acompanhado de uma bela música tema (entoada magistralmente na cena do pouso, mais detalhes sobre a música aqui no ótimo vídeo do canal Isac Ness).


Fontes

https://brasilescola.uol.com.br/curiosidades/programa-apollo.htm
http://apollo1.spacelog.org/
https://www.themoviedb.org/movie/369972-first-man

Marionetes


"Todo ano o brasileiro é pego de surpresa pela chuva NA MESMA ÉPOCA DO ANO", ouvi esta frase no excelente podcast "Pontapé" da central3 (recomendíssimo) quando a pauta eram as tragédias e as dificuldades que foram estes primeiros, até então, quarenta e dois dias do ano.

E de fato têm sido. Não é necessário noticiar ou repercutir aqui tudo que vem acontecendo em solo Tupiniquim. Mas de fato fiquei pensativo com duas coisas:

- Como a informação é levada às pessoas

- Como estamos inseridos em um contexto sobre o qual não temos o menor controle

Sobre o primeiro ponto, é fato que o que mais temos vistos por ai, não só no Brasil, mas em todo o mundo são desinformações, inverdades, teorias da conspiração e por ai vai ... E talvez por isso, após no mesmo Podcast ouvir sobre a morte de Ricardo Boeachat e também de ver este vídeo do canal meteoro Brasil, eu tenha me abatido ainda mais. Cientistas e Jornalistas compartilham de um ideal para com a verdade. Perder alguém que se propunha a cumprir isso, seja você profundo admirador de seu trabalho ou não, é de fato muito triste. Ainda mais em tempos onde a busca pela verdade tem sido cada vez mais deixada de lado.

E ai chegamos ao segundo ponto: Não podemos controlar tudo o que acontece, mas podemos controlar nossas reações e também a forma de consumir a informação, que infelizmente se tornou um produto. Questionar, buscar fontes, interpretar, debater não são apenas atribuições de jornalistas e cientistas e sim dos próprios seres humanos que sem esta capacidade jamais teriam progredido o quanto progrediram. Por mais que nossa espécie venha falhando constantemente, é admirável termos chegado na lua ou até mesmo enviado uma música do Chuck Barry para o espaço. Compreender o mundo que nos cerca através do senso crítico é uma dádiva, mas será que não estamos desperdiçando tal talento?

Quem tem conhecimento e poder, opta pelo segundo. A engrenagem gira, o povo se mantém ignorante e as tragédias se repetem. Quem tem conhecimento sem poder muitas vezes parte para o ostracismo mediante sua própria falta de controle sobre os fatos. Nos dois casos, quem tem o conhecimento não o compartilha, o que alimenta o ciclo de ignorância e impotência.

É possível quebrar este ciclo?  apenas uma questão de idealismo? O conhecimento que buscamos no início de nossas faculdades ou jornadas profissionais são maneiras de empoderamento ou apenas ocupam nosso tempo e mente enquanto nos fazem ter consciência do quanto estamos fadados a ser seres reativos?

Enquanto a resposta não chega, a boa velha busca pela verdade segue sua jornada visando satisfazer uma das mais belas características de nossa espécie: A curiosidade.

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"Todos nós somos Marionetes Laurie, sou apenas a marionete que vê as cordas" - Dr Manhattan (Watchmen).